"...Acho que escrevo sempre o mesmo poema. As palavras é que são diferentes..." Vieira da Silva
Nascido há 64 anos, em Ílhavo, António Manuel Vieira da Silva, é o autor da sugestão de leitura de hoje.
Marginal (Poemas breves e cantigas), foi editado pela MC - Mundo da Canção, em 2002. A 2ª edição deste livro aconteceu em Junho de 2010 e como o Tempo tem uma especial atenção neste blogue, gostaria de transcrever as frases finais do seu prefácio; um regresso ao passado que me agradou particularmente.
«Éramos jovens, dizia, e pensávamos. Ílhavo não era cidade, era outro lugar: nem melhor nem pior, apenas outro. No Verão apanhávamos camarinhas e íamos, de bicicleta ou de dedo esticado, para a Costa Nova. Depois apanhávamos a barca para A Bruxa, onde havia uma jeropiga que parecia ser a melhor coisa do mundo e havia os mundos que nós inventávamos. No Inverno ficávamos pelos cafés do costume, com uma ou outra escapadela pelo meio. Se não fosse o clima aceso da época dir-se-ia que não se passava nada - e no entanto, passava-se tudo: apaixonávamo-nos, descobríamos os mundos do mundo, ouvíamos a música dos silêncios, cavalgávamos o Sete Estrelo.
Agora, Ílhavo mudou, como o País. Novas ruas, vistas renovadas, prédios que foram abaixo e levaram com eles a memória das pedras. Nós, todos, também mudámos. Para melhor ou para pior, para mais longe ou para mais perto, partimos. Mesmo os que ficámos. E, sobretudo, vivemos. E de termos vivido o que vivemos nunca me arrependi, e tenho a certeza que o Vieira da Silva também não. Porque, se calhar, o que distingue os poetas das pessoas normais é mesmo só isso: ser capaz de descobrir, sempre, um mundo novo à sua volta, onde quer que seja; elevar as palavras à condição de diamantes, sem se deixar ofuscar pelo brilho; saber que os poemas só valem a pena quando têm gente lá dentro, como ossos, nervos, veias, emoções. Porque o sonho, esse, vale sempre a pena. Nós sabemos, porque voámos.»
Viriato Teles - Lisboa, 29 de Dezembro de 2001
Viriato Teles - Lisboa, 29 de Dezembro de 2001
Termino com dois poemas breves ...
Bilhete
Hoje
não ouvi o que disseste
estive
preocupado
em ouvir o que não disseste
Pensamento
O pensamento
devia ser aquele relógio
existir enquanto a corda durasse
e que bom que era
poder partir-lhe a corda
Vieira da Silva, in Marginal, páginas 30 e 32
Vieira da Silva, in Marginal, páginas 30 e 32
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Uma apresentação fabulosa.
ResponderEliminarParece que vamos entrar em cena, ou quem sabe num desses passeios onde a poesia acontece.
Aquela ideia de que a poesia é sempre a mesma e que apenas se mudam as palavras.
Muito bom.