segunda-feira, 8 de novembro de 2021

A calculadora do tempo

Segundo a calculadora do tempo no dia de hoje, passaram os segundos, minutos, horas, dias, semanas mais dias, meses e anos que se segue:

  • 1735689600 segundos
  • 28928160 minutos
  • 482136 horas
  • 20089 dias
  • 2869 semanas, 6 dias
  • 660 meses
  • 55 anos
  • Nestes tempos atribulados de pandemia em que continua gente a desaparecer quase sem aviso e em que, por vezes, é um estranho, inconsciente e egoísta desânimo que nos espreita a toda a hora, é na intemporalidade da música que gosto de me refugiar.  E se há gente cuja escolha musical para o derradeiro momento já está feita; este instrumental poderia ser sem dúvida a minha última vontade. 

    Tara do álbum Avalon, dos Roxy Music.




    quarta-feira, 28 de julho de 2021

    Nariz de mulher, focinho de cão, cu de gente, de David Teles Ferreira

    "Claro que, ou ainda não tinha compreendido os mecanismos que me faziam voar, ou os voos não dependiam mesmo da minha vontade. Para o tentar descobrir passei horas noutros bancos  de outros jardins e até de miradouros e praças, mas apenas tinha conseguido uns valentes banhos de assento. Levantar voo, népia. Ficava ali, sozinho, a olhar quem passava ou se sentava nos bancos vizinhos, mas nunca nada nem ninguém me despertou o interesse. Às vezes relaxava tanto que até adormecia, mas a única coisa que consegui foi levar com uma cagadela de pombo. E sentia a falta das voltinhas do Alberto. [...]

                      capítulo  IX - pág. 35 - Nariz de mulher, focinho de cão, cu de gente, de David Teles Ferreira                   

    Do primeiro dia em que começou a voar, passando pela inexplicável capacidade de o fazer e por que o fazia, este o livro que hoje resolvi trazer até este espaço (um pouco ao abandono, é certo), que é de alguma forma também e, por motivos vários, especial para mim. 
    Um romance em que a magia e o esvoaçar do pensamento dominam numa estória em que outras tantas histórias e personagens se interligam e entrelaçam entre si. Relações de vizinhança ou de afeto nos seus mais variados graus - da amizade e do amor-, todas nos lembram algum lugar ou alguém. 
    O escritor faz uma abordagem estilística da solidão - da sua talvez e a dos outros (de alguns personagens) - e que é, na minha modesta opinião, uma das linhas condutoras deste romance. 
    Para amenizar essa solidão o narrador imagina-se voando, chegando mesmo a vias de facto. 
    Porque voando consegue fugir da rotina de um emprego chato e monótono; porque voando conhece ou admira outros lugares; porque voando compreende, quiçá, melhor como funciona ou se comporta o ser humano; porque ao voar, vê o que não seria possível ver de outro modo.
    Voar... Imaginar... Libertar o universo interior... Abrir os braços e planar no céu como uma ave.
    Quem disse, afinal, que não podíamos voar através dos pensamentos?!...
    O voo do narrador ou a vontade de querer voar, revela-se no início como uma inquietação quase obsessiva. Porém, com o avanço dos acontecimentos percebemos que, finalmente, e, depois de descobrir o amor, o ato e a vontade de voar se desvanecem, proporcionando menos satisfação. 
    À medida que vamos lendo este romance, a nossa mente transporta-nos um pouco para o realismo mágico presente nas obras de Gabriel Garcia Márquez e isso é muito bom.
    "Fundir o universo mágico à realidade, mostrando elementos irreais ou estranhos como algo habitual e corriqueiro. Além desta característica, o realismo mágico apresenta os elementos mágicos de forma intuitiva (sem explicação)" - Infoescola.com  
     
    "Je vole", por Carine Achard.  
     

    domingo, 13 de junho de 2021

    Aimez, aimez; tout le reste n'est rien (La Fontaine)

    Mais (re)conhecido pelas fábulas do que pela poesia; Jean de La Fontaine.

    Élogue de l'amour

    Tout l'Univers obéit à l'Amour ;
    Belle Psyché, soumettez-lui votre âme.
    Les autres dieux à ce dieu font la cour,
    Et leur pouvoir est moins doux que sa flamme.
    Des jeunes coeurs c'est le suprême bien
    Aimez, aimez ; tout le reste n'est rien.

    Sans cet Amour, tant d'objets ravissants,
    Lambris dorés, bois, jardins, et fontaines,
    N'ont point d'appâts qui ne soient languissants,
    Et leurs plaisirs sont moins doux que ses peines.
    Des jeunes coeurs c'est le suprême bien
    Aimez, aimez ; tout le reste n'est rien.
     
    Jean de La Fontaine (1621 - 1695)

    domingo, 21 de março de 2021

    O apanhador de desperdícios, por Manoel de Barros

    De Manoel de Barros para o Dia Mundial da poesia.

    O apanhador de desperdícios

    Uso a palavra para compor meus silêncios.
    Não gosto das palavras
    fatigadas de informar.
    Dou mais respeito
    às que vivem de barriga no chão
    tipo água pedra sapo.
    Entendo bem o sotaque das águas
    Dou respeito às coisas desimportantes
    e aos seres desimportantes.
    Prezo insetos mais que aviões.
    Prezo a velocidade
    das tartarugas mais que a dos mísseis.
    Tenho em mim um atraso de nascença.
    Eu fui aparelhado
    para gostar de passarinhos.
    Tenho abundância de ser feliz por isso.
    Meu quintal é maior do que o mundo.
    Sou um apanhador de desperdícios:
    Amo os restos
    como as boas moscas.
    Queria que a minha voz tivesse um formato
    de canto.
    Porque eu não sou da informática:
    eu sou da invencionática.
    Só uso a palavra para compor meus silêncios.