segunda-feira, 10 de setembro de 2018
A espera
... Tu esperas
.... Eu espero
Ela tem a idade do tempo
Tu tens todo o tempo do mundo
Eu tenho o tempo contado
Eu espero
Tu esperas
Ela espera
quinta-feira, 7 de dezembro de 2017
A falecida
A Clareira, 28 de dezembro de 2057
Caros vivos.
Faleci 86 anos depois de ter nascido, mais precisamente em 2052.
Passaram-se cinco após esse fatídico dia em que, eu, sentada à lareira, caí literalmente para o lado.
A pedido, levaram-me para a cama onde me recordo de ter fechado os olhos e acordar na manhã seguinte tal e qual assim: enregelada de morte!
"Pronto. Foi desta que morri!"- pensei.
E deixei-me estar à espera que os vivos tomassem as providências habituais nestas circunstâncias.
Não quis saber de mais nada. Se diziam mal de mim. Se choravam. Se sentiam pena. Se iam guerrear por causa de bens... Não queria saber.
Estava mortinha e nada mais importava, a não ser o meu Antero que chorava copiosamente a minha partida do mundo terreno. Como eu gostava (por amor, claro) do pobre coitado!
Já caquético e surdo que nem uma porta, era ao lado dele que eu passava os dias e as noites. Às vezes ainda tínhamos forças e ralhávamos como dois miúdos, mas éramos tão unidos, tão cúmplices que já não passávamos um sem o outro (coisas de velhos, sabem).
Neste preciso momento estou num local agradável com árvores apenas, e muita luz.
Antes, recordo-me de ter entrado num túnel escuro com várias saídas. Todas elas
davam para lugares esconsos, escuros, húmidos, de cheiros intragáveis... E só depois se chegava às clareiras.
Quando aqui cheguei, não encontrei ninguém que me esclarecesse sobre este lugar.
Fiquei literalmente, aborrecida de morte, pois não era assim que se recebiam os defuntos.
Porra! Ao menos um cartãozinho ou um bolinho de boas vindas.
Aquelas histórias que contavam sobre o céu, o inferno e o purgatório sempre me pareceram surreais.
"Precisava morrer para saber toda a verdade", pensava eu em vida.
E na verdade, as minhas suspeitas confirmaram-se; não existia céu, inferno ou purgatório.
No caminho até chegar a esta clareira, só encontrei gente com sorrisos escancarados na cara. Presumi que seria de felicidade por estarem ali sem preocupações e sem o tempo contado, fazendo tudo o que lhes dava na real gana.
Parei para perguntar se era aquele o único lugar para onde eram (re)encaminhados os mortos...
Abeirou-se, então, de mim um hippie que logo me ofereceu uma passa do seu cachimbo e me esclareceu sobre as clareiras.
O que variava de clareira para clareira era basicamente o tipo de vegetação. O som dos pássaros fazia-se ouvir uma vez no ano eterno e por isso todos aproveitavam para festejar o acontecimento. Foram estas as explicações do hippie, que me desejou uma boa estadia, oferecendo-me de novo uma passa que eu, educadamente, recusei (já que nunca tinha fumada em vida, também não seria em morta que ficaria com o vício).
Esta história termina com a chegada do meu Antero (todos os dias, ia espreitar quem eram os novos inquilinos das clareiras).
No sexto ano da minha vida celestial recebo, enfim, de braços abertos, o meu velho e inseparável Antero.
Estava finalmente no céu!
terça-feira, 31 de janeiro de 2017
Possessivos
Do meu ao teu. Do meu ao nosso.
domingo, 13 de novembro de 2016
Renascer
E renasce-se para se ser a mesma pessoa, apenas com um colorido ligeiramente diferente e poder pintar com as cores do arco íris, um futuro que queremos melhor. Foi assim que se sentiu o Relógio de Corda há dois anos.
(Edição de Autor – 1ª Edição – junho 2016)
sexta-feira, 20 de maio de 2016
Da oração ao sujeito e predicado que sou
Hoje refleti sobre isto. Coisas da profissão, pensei.
segunda-feira, 18 de abril de 2016
A boneca
Metro e vinte de altura, cabelo alaranjado, olhos esbugalhados, lábios carnudos.Esbelta (linda para quem apreciar o estilo).
Jaz a boneca no recreio.
Desmembrada. Maltratada.Violentada.
Pernas e braços largados ao Deus dará. Mete dó.
Jaz a boneca no recreio.
De plástico. Assim é o seu corpo, agora molhado pela chuva que cai incessantemente.
Nua ou vestida, outras vezes semi nua.
Com ela brincam ao faz-de-conta.
Com ela simulam ter sexo.
Mas...
Um dia...
Levaram-na pela mão. Um cortejo de miúdos a acompanhavam.
Algo de mau aconteceu. Pensei.
Jaz a boneca, no recreio, nas mãos dos petizes.
Numa bela manhã, porém, morreu.
O funeral lhe fizeram. Enterraram-na num chão de gravilha.
Apenas com a cabeça de fora, rezaram à sua volta. Fingiram que choravam.
Outro dia chegou...
A boneca ressuscitou.
E novamente a completaram.
Calças, sapatos, camisola, pernas e braços no sítio certo.
Jaz Xana, a boneca do recreio, numa escola onde se passa tudo isto, e muito mais!
sexta-feira, 15 de abril de 2016
tempo e silêncio
Porque as palavras se gastaram. Porque as palavras se esvaíram por outros meios. Porque as palavras encontraram outros destinatários. Porque... porque...
domingo, 3 de abril de 2016
------A--L-------B--E---R---T-O----
«O tempo engoliu aquilo que não teve força para se eternizar»
Al Berto, Diários 21/6/94terça-feira, 15 de março de 2016
Contador de estrelas
Chamava-se Benjamim, apenas.
Fosse como fosse, era assim que o senhor Benjamim gostava de pensar; que a sua Estrela seria mais uma no meio de muitas outras.
Mas a Estrela era igualmente uma mulher entre as mulheres; das muitas que teriam passado pelos setenta e muitos anos bem vividos deste homem. Fora ela, todavia, a única mulher, alma-quase-gémea, que lhe sossegara, numa fase já madura da vida, o coração das desgastantes paixões, aventuras e emoções fortes.
Todas as noites era vê-lo sentado, estivesse frio ou calor, a admirá-lo. Por vezes não havia nada para ver, mas Benjamim sabia de cor onde estavam as constelações, os planetas,...
Quem o avistou na manhã seguinte, debruçado na velha cadeira, ao lado de um pedaço de papel humedecido pela maresia, imediatamente correu a anunciar na aldeia que o "Contador de estrelas" se tinha apagado.
terça-feira, 8 de março de 2016
Ser, de Mulher
Sou árvore. Sou planta rara; por vezes desprotegida.
Sou gato e sou pássaro em simultâneo.
Sou atalho de teclado.
Sou mais uma foto, uma lembrança.
Sou tudo e nunca serei nada.
Mas sou Mulher!