domingo, 21 de março de 2021

O apanhador de desperdícios, por Manoel de Barros

De Manoel de Barros para o Dia Mundial da poesia.

O apanhador de desperdícios

Uso a palavra para compor meus silêncios.
Não gosto das palavras
fatigadas de informar.
Dou mais respeito
às que vivem de barriga no chão
tipo água pedra sapo.
Entendo bem o sotaque das águas
Dou respeito às coisas desimportantes
e aos seres desimportantes.
Prezo insetos mais que aviões.
Prezo a velocidade
das tartarugas mais que a dos mísseis.
Tenho em mim um atraso de nascença.
Eu fui aparelhado
para gostar de passarinhos.
Tenho abundância de ser feliz por isso.
Meu quintal é maior do que o mundo.
Sou um apanhador de desperdícios:
Amo os restos
como as boas moscas.
Queria que a minha voz tivesse um formato
de canto.
Porque eu não sou da informática:
eu sou da invencionática.
Só uso a palavra para compor meus silêncios.

2 comentários:

  1. Obrigada, Pedro.
    Este era o meu passatempo solitário e o meu escape à vida de prof. e de que tenho saudades, confesso. As alterações da vida "obrigaram" a afastar-me mais do mundo digital e nomeadamente da blogosfera.

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